O que fazem as iniciativas de Português como Língua de Herança, por Taís Samora

O que fazem as iniciativas de Português como Língua de Herança, por Taís Samora

Vocês falam português em casa ou frequentam algum espaço de língua e cultura brasileira? Nesse texto, a pesquisadora Taís Samora Figueiredo explica o que fazem as iniciativas de Português como Língua de Herança

Português como Língua de Herança (PLH) é  o ensino, manutenção ou transmissão da língua e cultura do Brasil para crianças brasileiras, nascidas no Brasil ou não. Esse é meu tema de pesquisa há oito anos. Busquei identificar e localizar as iniciativas organizadas por mães e pais brasileiros em diversos países, mas aprofundei a investigação na Europa. Dessa investigação, nasceu minha tese de doutorado, em 2019.

Identifiquei várias instituições que trabalham pedagogicamente na transmissão da língua de herança e de valores culturais idealizados como brasileiros. Essas instituições são formadas por pessoas que vivem no exterior e se dominam pais e mães de “brasileirinhos” e dizem ter como objetivo disseminar suas raízes e valores culturais do país de origem.

Esses espaços não se apresentam somente como um lugar de promoção da língua e da cultura brasileira para as crianças. São também iniciativas que reforçam a ideia de uma identidade de “brasilidade” expressada no termo “brasileirinhos”, que muitas vezes é utilizado para nomear as iniciativas de PLH mundo afora. Não faltam exemplos: Brasileirinhos em Málaga, Associação de Pais de Brasileirinhos na Catalunha, ambos na Espanha, Brasileirinhos -DK (Dinamarca), Brasileirinhos em Stuttgart (Alemanha), Casa dos Brasileirinhos em Rovigo (Itália) e muitas outras.

Quando o PLH é praticado e ensinado aos filhos e filhas de brasileiras e brasileiros residentes no exterior, o termo “herança” se refere ao desejo de preservação ou recuperação da língua e cultura brasileira como capitais herdados de pais nativos ou quando pelo menos um deles é brasileiro e reside com a família em um outro país.

Mas o que é uma Língua de Herança?

Segundo o linguista Jim Cummins, o termo Língua de Herança surgiu no Canadá, na década de 1970, com o início dos Programas de Língua de Herança de Ontário, destinados a alunos que não tinham o inglês como primeira língua. O termo se refere, geralmente, a língua etnocultural de uma comunidade ou de um grupo. Uma língua falada por grupos que se encontram em “minoria linguística”, pois são minorias em relação a língua predominante, que é a local, hegemonicamente falada e utilizada pelas instituições, a língua dominante de um país receptor de imigrantes, por exemplo, mas não unicamente.

As iniciativas brasileiras de PLH apresentam-se como espaços de vivencias e experiências comuns, onde se afirmam valores e tradições do grupo, característicos no caso da imigração. São espaços onde o que está em jogo são as estratégias para promover a construção de identidades e o reconhecimento entre as crianças: “ele também fala português”. Além da afirmação de ser brasileira e brasileiro no contexto da imigração; é onde se estabelecem e se desenvolvem ações em busca de visibilidade, empoderamento e legitimidade do grupo que representam.

As práticas pedagógicas nesses espaços são elaboradas a partir do resgate de um simbolismo do vivido, do afeto, em que as histórias, os personagens, as canções, as brincadeiras e as comidas são recuperadas da memória e das experiencias vividas na infância por mães, pais e outros envolvidos nos projetos. A língua acaba funcionando como um veículo de transmissão, além de elemento simbólico através do qual a dimensão afetiva se revela e é sentida.

As iniciativas de PLH se apresentam em diferentes formatos: associações, encontros, roda de leituras e outros. Em sua grande maioria, são organizadas por mulheres, sobretudo mães brasileiras. São elas que protagonizam este cenário. São mulheres que apresentam escolarização elevada, um recurso simbólico importante para legitimar ideias, ações e representações como estratégias de distinção social e mobilidade. Buscam, ainda, desenvolver a conscientização política dos e das participantes em torno da ideia da importância da língua de herança e dos benefícios do bilinguismo como capital cultural.

Para finalizar, gostaria de esclarecer a escolha pelo uso da sigla PLH. Muitas vezes encontramos e escutamos o uso da sigla POLH. A sigla POLH é usada, especificamente, na Europa. Foram as mulheres brasileiras envolvidas em diferentes projetos de PLH, em diferentes países europeus, que criaram e adotaram o uso da sigla, que eu entendo como uma forma de marcar o lugar de onde estão falando. As iniciativas de ensino de língua e cultura brasileira localizadas nos Estados Unidos, por exemplo, usam a sigla PLH, e não POLH. Como eu pesquiso sobre as iniciativas brasileiras localizadas em diferentes países e continentes, escolho a sigla PLH por considerar mais inclusiva, uma forma de reconhecer e falar das diversas ações de PLH desenvolvidas para além da Europa.

Meu nome Taís Samora Figueiredo, sou doutora em Antropologia Social e Cultural, pela Universidade Autônoma de Barcelona (ES), e licenciada em Letras (Port/Ing/Esp). Atualmente atuo como leitora de língua portuguesa do Instituto Guimarães Rosa (IGR/MRE/BRASIL), na Universidade Complutense de Madrid.

Deixarei aqui o link da minha tese de doutorado, para quem tiver curiosidade em saber um pouco mais sobre minha pesquisa sobre movimento que há em torno do ensino da língua e cultura do Brasil para crianças, filhos e filhas de brasileiras e brasileiros imigrados.

Na tese, vocês encontrarão dados sobre as iniciativas de PLH, os perfis das fundadoras e seus e suas participantes, informações sobre a didática do PLH, a partir de uma abordagem etnográfica realizada na Associação de Pais de Brasileirinhos na Catalunha; sobre as políticas linguísticas de promoção da língua e da cultura do Brasil, a partir do governo brasileiro; como também, e principalmente, como aconteceu todo esse processo de reconhecimento e legitimidade que essas mulheres, envolvidas com o PLH, conquistaram ao longo de suas trajetórias.

Título da tese: ¿En nombre de los “brasileirinhos”? Lengua de herencia e identidad brasileña en Cataluña.

https://www.tdx.cat/handle/10803/669790